A batalha entre o ego e a autenticidade

São 3 horas da manhã. Apesar da chuva, está um frio de rachar. Já foi há tanto tempo que viver durante a noite se tornou normal para mim, que me pergunto se alguma vez vivi de outra forma. 

Não posso negar que me dá bastante prazer ficar acordado enquanto toda a gente dorme. Não oiço um carro lá fora, não há cães a ladrar, e não há pessoas a falar com um tom de voz como se já tivessem perdido 80% da audição. 

Estou sentado à minha secretária para mais uma sessão de escrita. O silencio é tanto que consigo ouvir o hardware do meu computador a funcionar, mesmo sem estar a fazer nada que exija capacidade de processamento. 

Meti na cabeça que tinha de escrever um artigo pessoal desta vez. O último em que falei sobre mim, “Porque é que escrevo”, foi publicado em Outubro de 2018.

Enquanto me esforço para desenterrar tópicos pessoais nalgum recôndito da minha mente, vem-me à cabeça a palavra “autenticidade”. 

O guia que nunca mente. 

A autenticidade é um guia fabuloso porque nunca mente. A parte difícil, é ser-se verdadeiramente autêntico. As redes sociais deram-nos a oportunidade de parecer muito melhor do que aquilo que somos na realidade.  

Só mostramos o melhor de nós aos outros, e online, facilmente fazemos os nossos defeitos parecerem qualidades. Aposto que a maioria das pessoas responderia que são autênticas se questionadas sobre as suas publicações nas redes sociais.  

Não duvido de que sou culpado desse crime. Às vezes, dou por mim a pensar “Se eles soubessem tudo aquilo que eu não mostro”. Alguns bloggers afirmam ter uma persona para as redes sociais.  

Uma espécie de personagem fictícia que representam por questões de marketing. O que é exatamente o oposto de autenticidade. Pela parte que me toca, não pretendo ter uma persona publicamente, e ser outra pessoa na minha vida privada.  

Talvez tenha criado uma persona sem me aperceber, mas seguramente que não fiz nenhum plano com as características que desejo demonstrar através de uma atuação.

O mais irónico, é que algumas pessoas tentam criar personas que tenham como qualidade a autenticidade. 

Não acreditam serem boas o suficiente. Não entendem que esse é um medo comum à maior parte das pessoas, e que se o demonstrarem, serão capazes de criar uma conexão maior com as suas audiências. Só precisam de seguir o seu guia interno. 

Num mundo de aparências todos se escondem. 

Raramente vemos pessoas feias no cinema. Quando vemos, assumindo que representam uma personagem que foi criada para que gostemos dela, têm sempre alguma qualidade que as distingue do comum dos mortais. 

A mensagem que nos é passada diz-nos: “Se não tens uma boa aparência, é bom que compenses com outra coisa, caso contrário, não tens valor como ser humano”.  

As personagens retratadas inicialmente como “defeituosas”, acabam por demonstrar ao longo da narrativa que são capazes de realizar coisas extraordinárias. 

Esta narrativa é brutalmente apelativa nos dias que correm.  

Aqueles com baixa autoestima e que se acham incapazes de realizar algo de significativo nas suas vidas, ganham subitamente a esperança de terem alguma habilidade escondida que os possa catapultar para o mundo dos altamente competentes. 

Sem estudo, sem prática, e sem anos de trabalho árduo. Tudo porque querem destacar-se no mundo das aparências.

O único problema, é que num mundo onde a vulnerabilidade é considerada uma fraqueza, não existem conexões genuínas com outras pessoas. 

Autenticidade = vulnerabilidade.

Como ninguém é perfeito, não há como ser-se autêntico sem se ser vulnerável. Ser vulnerável não é para todos, implica incerteza.

A incerteza de não saber como os outros vão reagir, a incerteza de não saber se os outros nos encorajarão, ou se simplesmente, nos ridiculizarão. 

Como a investigadora Brené Brown diz na sua TedTalk, para sermos autênticos e vulneráveis, precisamos parar de tentar mostrar aos outros a pessoa que gostaríamos de ser, e deixar aparecer a pessoa que somos verdadeiramente.

Essa pessoa é capaz de criar uma conexão com os outros, e é para isso que nós existimos, para nos conectarmos. 

Essa, é também a pessoa que todos querem conhecer. Aquela pessoa com quem eu quero passar o meu tempo, ter uma amizade, ou quem sabe até casar. 

“Para a conexão acontecer, devemos permitir-nos ser vistos, vistos verdadeiramente”.

– Brené Brown.

Quando buscamos a autenticidade, é bem provável que precisemos de travar uma batalha. Eu estou a travar a minha neste momento.  

Os filtros que se colocam à nossa frente podem ser tão subtis, que facilmente confundimos aquilo que a sociedade diz que somos, com aquilo que somos na realidade. 

O inimigo da autenticidade, o ego.

Com tanta publicidade sobre produtos que nos tornam melhores, filmes com super-heróis que salvam o planeta terra, e histórias de pessoas inspiradoras que prosperaram apesar de virem da pobreza, não é muito difícil sentirmos que nunca chegaremos àquele nível. 

E que melhor defesa contra sentimentos de inferioridade do que criar um ego gigantesco?  

Esta é a batalha que luto de cada vez que escrevo um artigo. Quero ser autêntico, mas também quero que gostem de mim.  

São duas forças contrárias a puxarem-se uma à outra. O que gera uma espécie de autossabotagem, que é como se o ego dissesse “não és suficientemente bom como és para gostarem de ti, mostra apenas aquilo que tens de melhor”. 

Num artigo na Psychology Today, o perito em saúde mental Dr. Gregory L. Jantz, afirma que uma das formas de sermos mais genuínos, é não tentarmos ser perfeitos. Não podia concordar mais.  

Quando paramos de tentar esconder as nossas fraquezas, as outras pessoas sentem que podem confiar em nós. Como consequência, sentem que não precisam de encobrir os seus defeitos, e que podem respirar. 

O meu ego quer salvar-me aniquilando-me.

O meu ego não quer que eu seja eu mesmo. Tem medo daquilo que os outros vão pensar, e tenta engrandecer-me para me fazer parecer melhor que os outros.  

Dá-me um semblante de autoridade e superioridade, para que ninguém veja a parte sensitiva que se esconde por trás. A existência do ego é necessária, só que o meu às vezes exagera nas suas funções tentando destruir a substância original dentro de mim.  

Seja como for, quero que ele se lixe. Todavia, só consigo fazê-lo desaparecer quando me esqueço de que ele existe. Quando escrevo sem me importar com o resto do mundo. Quando nem sequer me lembro que as outras pessoas têm pensamentos. 

É nesses momentos que a autenticidade ganha a batalha, se o consegui com este texto, não sei. Mas se falhei, ficará aqui mais um registo de tentativa para a posteridade.

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