Atualmente, parece que ninguém nos ouve. Falamos cara a cara com um colega ou mesmo com um amigo chegado, e ficamos muitas vezes com a sensação de que o mesmo não nos ouve e apenas aguarda a sua vez para falar.
A cultura incentiva-nos a nos colocarmos sempre em primeiro lugar. A mensagem das campanhas de marketing e do cinema é clara: “Tu estás em primeiro “. Tal ideia adaptada por todos os indivíduos numa sociedade vira-nos uns contra os outros.
Como é que cada pessoa se pode colocar a si mesma em primeiro lugar, acima de toda a gente? Um mundo onde cada pessoa se coloca a si mesma acima das restantes é um mundo cheio de inveja, rancor e egotismo. A empatia torna-se numa qualidade em vias de extinção.
E esta cultura de hoje em dia incentiva-nos de tal forma ao narcisismo, ao ponto de nos convencer de que nem sequer precisamos de uma competência ou qualidade que nos distingue para sermos especiais.
Fazem-nos acreditar que somos excecionais só por existirmos. Oiço e leio muitas vezes na indústria da autoajuda que cada um de nós é incomparável e que tem um propósito único no mundo. Não acredito nem um pouco nessa afirmação.
Ninguém é especial só por existir.
Eu não sou especial, você não é especial, nem ninguém o é só pelo facto de ter nascido. Existem sim pessoas únicas e especiais, mas essas pessoas têm algo que as diferencia. Frequentemente, alguma coisa que acrescenta valor à sociedade ou às outras pessoas.
Essa qualidade que as torna únicas requer quase sempre alguma execução, e costuma ser desenvolvida após um longo período de estudo, prática e aprendizagem. Outras vezes, apenas necessita de fazer algo pelos outros altruisticamente, quer seja em pequena ou em grande escala.
É certo que algumas pessoas são prodigiosas logo à nascença.
Mozart compunha com apenas cinco anos, mas outros compositores e instrumentistas que não nasceram com esse dom também chegaram ao sucesso e atingiram grande fama graças à dedicação e à prática disciplinada da sua arte.
A sociedade de hoje esquece-se cada vez mais de reconhecer mérito ao que tem qualidade e apenas admira o que aparenta ter brilho, ainda que nenhum conteúdo. Somos incentivados e ensinados a brilhar. Mas apenas a brilhar. Não interessa ser.
A sociedade que fabrica narcisistas.
Quando nos tornamos narcisistas, não ouvimos quando os outros falam connosco.
Relacionamos o que os outros dizem a nós mesmos. A nossa agenda filtra tudo. Ouvimos alguém a falar e quando pensamos na resposta a dar pensamos também de que forma é que esta nos pode engrandecer.
Algumas coisas podem ser feitas para sermos ouvidos, como por exemplo, fazermos pausas regulares e olharmos para a pessoa com quem falamos, mantendo no pensamento que esta existe e tem qualidades, mesmo que o nosso principal objetivo seja comunicar-lhes algo.
Os outros podem não nos ouvir, mas podemos usar uma técnica chamada escuta ativa, ouvindo os outros sem as nossas noções preconcebidas, sem colocar os nossos ideais pelo meio, e libertando-nos do nosso próprio condicionamento social momentaneamente.
O ruido constante fecha-nos ao exterior.
Não admira que não consigamos ouvir os outros. Com uma panóplia de meios de comunicação, apps, e publicidade a quererem a nossa atenção a toda a hora, aprendemos a bloquear as mensagens com que nos sobrecarregam constantemente.
Mas sem nos aperceber, bloqueamos também as pessoas que tentam comunicar connosco. Estamos tão habituados a fechar a nossa capacidade de ouvir que temos de fazer um tremendo esforço para sermos recetivos.
Tente perceber o verdadeiro significado.
As palavras nunca transmitem o verdadeiro significado da comunicação. A mensagem está na linguagem corporal e no tom de voz. A intenção esconde-se por detrás dos comportamentos.
Não tente entender o seu interlocutor apenas pelas suas palavras. Tem de observar para alem do óbvio. Pense para si mesmo “o que será que ele quer realmente dizer?”.
Não podemos forçar os outros a nos ouvir.
E quando não nos querem ouvir?
Não temos poder sobre as outras pessoas. O máximo que podemos fazer é falar de forma clara e objetiva, ser empáticos, não julgadores, mas acima de tudo, entender que qualquer que seja o ponto em que aquela pessoa se encontra, não é melhor nem pior que ninguém.
Nem sempre o problema está nas outras pessoas quando não somos ouvidos. Se gosta de dar conselhos sem que ninguém lhe pergunte nada, o problema é seu. Conselhos não solicitados são vistos como critica e demonstram falta de bom senso.
Antes de dar conselhos, pergunte-se a si mesmo:
“Que tipo de resultados já consegui manifestar na minha vida nessa área?”
Todavia, não pense que só por ter resultados pode andar a dizer a toda a gente como viver a sua vida. Existem momentos oportunos e é necessária abertura por parte das outras pessoas.
Torne-se numa das raras pessoas que sabe ouvir.
As pessoas que ouvem verdadeiramente e sem uma agenda por detrás são raras. Ser-se ouvido genuinamente é uma experiência transformadora.
Estou ciente desse facto uma vez que durante dois anos realizei sessões de coaching com uma grande diversidade de pessoas, e o meu trabalho consistia em ouvir e fazer perguntas.
Aconteceu em muitas sessões eu quase não falar e apenas ouvir, e a outra pessoa chegar ao fim com um grande sentimento de paz como se tivesse tido a hora mais transformadora da sua vida.
Dito deste forma pode parecer que eu apenas me limitava a estar ali sentado, mas na realidade, eu estava altamente concentrado em tudo aquilo que me era dito, bloqueando todos os estímulos à minha volta, inclusive os meus próprios pensamentos.
Se não tivesse recebido treinamento específico, dificilmente conseguiria ouvir sem acrescentar inconscientemente os meus próprios filtros.
Não precisa de tirar um curso para desenvolver a capacidade de ouvir. Qualquer pessoa o pode fazer, só que para tal, tem de fazer o oposto do que a sociedade consumista e egocentrista lhe ensinou. Tem de colocar as outras pessoas em primeiro lugar.
O mais importante é não julgar.
Para não julgar os outros enquanto os ouve precisa de abdicar da necessidade de se sentir superior. Procurar defeitos nas outras pessoas apenas deriva da sua insegurança.
Todos somos inseguros, contudo, todos podemos fazer um esforço consciente para colocar as nossas inseguranças de lado focando-nos nos outros.
Coloque as necessidades das pessoas que quer ouvir em primeiro lugar, nem que seja apenas por um breve momento.
Oiça como gostaria de ser ouvido.
Interesso-me por todo o conhecimento que pode genuinamente melhorar as nossas vidas. Discordo dos ideais transmitidos pela cultura pop, e prezo habilidades como a autodisciplina e a capacidade de pensar pela própria cabeça. O meu propósito de vida é escrever não-ficção.